sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Flores em Vida para a Cigarra Noturna

Não é vaidade, Nelson, não é.

Querias tanto as flores em vida, estou aqui, oferendo-te. Apesar de já te chamares saudade há mais de 20 anos, não morres, nem morrerás, fazes parte dos imortais, aqueles que vivem para sempre na mente e no coração daqueles que sabem sentir.

São tantos aqueles que são chamados de poeta em vão, somente por escreverem de forma rebuscada, procurarem palavras para sua obra que o povo não conhece. Julgam-se e dizem-se intelectuais. Mal sabem eles que a sabedoria maior está na rua. Desconhecem eles o vasto aprendizado que só o botequim pode proporcionar.



A simplicidade sempre foi teu ponto mais forte. Escrevia de forma clara, mensagens francas e destemidas. Politicamente correto é hipocrisia. Deixaste sempre essa faceta para os fingidos intelectuais. Bebeste demais, foste o rei das calçadas, o poeta dos cabelos cor de prata, a cigarra noturna. Títulos sem importância. Importante mesmo foi tua obra. Uma obra de verdade. Tocaste um violão jamais visto, nunca aparecerá nada igual. Compuseste para grandes intérpretes da música brasileira, mas isso representa tão pouco da tua obra. Grande parte permanece desconhecida. Melhor assim. Deixa para quem realmente se importa. Muitos são os feras...

Mangueirense diferente, amava, mas não se aproximava muito. Pobre no bolso, rico na imaginação. Fúnebre, triste, amargurado. Quem se importa? A tristeza é muito mais bonita do que a felicidade. Música alegre não é bonita, é simplesmente alegre. E sabias disso melhor que qualquer um. Cantaste a tristeza como nenhum outro. Quando resolveu falar de felicidade, precisou apenas de míseros 6 versos para organizar uma festa e mostrar que a felicidade pode sim ser bonita. É que os outros, os ditos intelectuais, não sabem fazer isso acontecer.

Deixo aqui minha gratidão, minha eterna gratidão, pelas mil serenatas que embalaste com teu violão, sempre colado ao teu peito tão amargurado. Nunca presenciei uma, não preciso. Mais uma vez, é melhor assim. Deixa que a imaginação trabalhe.

Um brinde ao centenário de Nelson Antônio da Silva, o Nelson Cavaquinho.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Momento supremo de um cervejeiro

Sabe aquele momento que fica guardado pra sempre na memória? Por mais tempo que passe, às vezes ele volta ao pensamento e é praticamente possível reviver aquele momento apenas na lembrança...

Para um flamenguista, esse momento pode ser o gol de falta do Pet. Para um tricolor, o gol de barriga do Renato e por assim vai. Usei essa analogia somente pra ficar mais fácil de imaginar a força do momento que estou aqui tentando descrever. Para um apreciador de cervejas, esse momento é dar um gole na inesquecível Westvleteren Abt 12.

Sem entrar em grandes volteios históricos, a Westvleteren é uma cerveja produzida na abadia trapista de Saint Sixtus of Westvleteren, localizada na cidade de Vleteren, oeste da Bélgica, próxima à fronteira com a França. As abadias são monastérios, onde, obviamente, vivem os monges, que produzem e vendem cervejas e queijos como forma de sustento do monastério. Ser uma abadia trapista significa ter um selo de qualidade, existem somente 7 abadias trapistas no mundo* (6 na Bélgica e 1 na Holanda), informando que aquela cerveja foi produzida por um desses poucos monastérios.
*Recentemente foi veiculada a criação da oitava abadia trapista, esta localizada na França.

A abadia Saint Sixtus tem 3 tipos de cerveja: Westvleteren Blone (ou 6), Westvleteren 8 e Westvleteren 12. A diferença de característica entre elas se dá pela coloração (que vai escurecendo) e graduação alcoólica (que vai aumentando). Porém, mesmo que as 6 e 8 sejam muito elogiadas e bem conceituadas, a grande estrela é mesmo a Westvleteren Abt 12.

A primeira impressão da cerveja é essa da imagem acima. Não há rótulo! Realmente não há. A única coisa que identifica essa cerveja é a tampinha, amarela, com a marca da abadia e a numeração da cerveja. As outras 2 cervejas da Westvleteren possuem tampinhas de coloração diferente: verde para a 6 e azul para a 8.


Fui ao Delirium Café** decidido a tomar a Westvleteren Abt 12, após muito ler e ouvir sobre ela. Cerveja elogiada por todos que a provaram, presente no topo de todos os rankings sobre cerveja. Será que era isso tudo mesmo? Estava disposto a pagar pra ver. Literalmente. A simpática garrafinha sem rótulo e com sua charmosa tampinha amarela, contendo singelos 330ml, custa a bagatela de R$170. Mas eu precisava, era uma questão de honra. Não me sentiria um bom bebedor até que cometesse esse "pecado".
**Delirium Café - localizado na Rua Barão da Torre, 183 - recentemente ganhou merecidamente o prêmio da Veja Comer & Beber como melhor carta de cervejas do Rio de Janeiro.

Após levar o susto do preço e o susto da garrafa sem rótulo (é um susto para um colecionador de rótulos, vai?), era chegada a hora. Sério, eu estava ansioso, de verdade, senti frio na barriga e tudo...
Após vertido o líquido viscoso nos 3 copos (claro que eu dividi esse "prejuízo" com os amigos Gabriel Cavalcante e Ricardo Brigante), o cheiro já se espalhava pelo ambiente, nem precisava chegar perto.


Não vou também entrar em grandes detalhes sobre o gosto dessa cerveja porque a complexidade é imensa. A cada gole que eu dava, era um novo gosto que eu sentia, cada ingrediente, cada componente. O que exatamente? Não sei. Sei que tinha caramelo, tostado, frutas vermelhas, mas o resto não sei... O que eu sei é que toda vez que lembro dessa cerveja, que vejo uma foto, um comentário, eu sinto o gosto dela na minha garganta. Uma coisa incrível, um momento inesquecível e um sabor também inesquecível.

Sem sombra de dúvidas é a melhor cerveja que eu já bebi. Guardo com afinco sua tampinha em meio à minha coleção de rótulos. É a única exceção, mais do que justa, necessária. O dinheiro? Sim, foi bastante, acho que não faria novamente essa loucura, mas valeu. Com certeza, valeu!